Qualquer pessoa
provavelmente já deve ter presenciado algum animal brincando, sobretudo no
contexto doméstico. São inúmeros os casos de interação com seus donos e com os
membros da própria espécie, o que faz com que a pergunta sobre se os animais
brincam seja facilmente respondida. Entretanto, para aqueles que pretendem
caminhar alguns passos mais além nessa questão, percebe-se que o assunto vai
aumentando de complexidade. Se sabemos que sim, então qual será o por quê?
Por
quê os animais brincam?
Nas
últimas décadas, cientistas e pesquisadores passaram a tentar encontrar uma
resposta para esta pergunta que parece tão simples. A resposta, no entanto, tem
se mostrado um tanto mais complexa, começando
com a definição do que seria o brincar para
os animais e os benefícios desse tipo de atividade.
Em
colaboração ao artigo The Recess para a revista eletrônica The Scientist,
Gordon Burghardt desenvolveu certas condições para que o comportamento do
animal possa ser considerado uma brincadeira. O pesquisador do Departamento de Psicologia da
University of
Tennessee [Universidade do Tennessee] (Knoxville, EUA) desenvolveu esse
critério principalmente por perceber a dificuldade dos outros cientistas
em identificar comportamentos ligados ao brincar em animais de diferentes
espécies. Sabemos de longe, por exemplo, quando um cão está se divertindo com uma bolinha de borracha, enquanto nos causa
estranhamento ver tal situação com uma tartaruga.
Dentre os cinco critérios, a primeira condição de
Burghardt é que o comportamento apresentado pelo animal não é completamente
funcional, já que ele imita outros comportamentos quando está brincando e não
os executa completamente. Assim, quando
observamos um filhote canino correndo atrás de um brinquedo surrado, podemos
identificar uma linguagem corporal semelhante à
de um adulto ou até mesmo de um lobo caçando uma presa. Entretanto, o filhote
não tem a intenção de capturar e ingerir o brinquedo, se contentando em apenas
capturá-lo e soltá-lo. Outras condições apresentadas pelo pesquisador é que o
comportamento deve ser espontâneo e repetitivo, de proporções exageradas e que
só ocorre quando os animais estão saudáveis e bem alimentados, livres de
qualquer tipo de quadro de estresse.
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Fonte: Acervo Pessoal |
Entre
os mamíferos, é mais fácil identificar comportamentos ligados ao brincar. Primeiro
devido às semelhanças evolutivas com a espécie humana, segundo pelos fatores
biológicos e ambientais em que estas espécies se desenvolvem. Diferente de
répteis, aves e outros animais, os mamíferos passam uma boa parte do seu
desenvolvimento infantil resguardado pelo cuidado paternal ou pelo grupo em que
está inserido, o que permite que o filhote usufrua um tempo maior de tranquilidade
sem se preocupar em procurar alimento ou fugir de predadores. Como citado
anteriormente, configuram-se mais facilmente
as condições ideais de Burghardt nesses casos. o que permite que os cientistas, ao identificarem esse tipo de situação ideal, realizassem estudos
de caso.
No
início dos anos 2000, três pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte observaram e analisaram durante 41 dias o comportamento de botos
cinzas que estavam de passagem pela Praia do Pipa (localidade próxima a Tibau
do Sul, a oitenta quilômetros da capital, Natal). Luísa Helena Pinheiro
Spinelli, Lídio Franço do Nascimento e Maria Emília Yamamoto totalizaram
duzentas e quarenta e seis horas de observação, analisando
comportamentos relacionados a brincadeiras em dezenove dos quarenta e um
dias observados. Como critério para o estudo, os grupos de botos considerados deveriam ter em sua formação pelo menos
um animal tido como imaturo (de até ¾ de
tamanho de um indivíduo adulto). A escolha do boto cinzento como espécime alvo
para o estudo de caso se dá por ele ser um cetáceo(ordem de animais marinhos do
qual os golfinhos também fazem parte), mamíferos que possuem alto grau de
encefalização, com intelecto que lhe permite uma vida social complexa.
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Fonte: Instituto Ciência Hoje - Uol. Foto: Lis Bittencourt |
Durante
esse período, o grupo realizou uma série de
brincadeiras recorrentes classificadas pelos
pesquisadores em dois grupos distintos: brincadeiras locomotoras e
brincadeiras sociais. A primeira classificação
abrangia brincadeiras que envolviam movimento e capacidade motora, enquanto a segunda se concentrava em atividades de
interação entre indivíduos do mesmo grupo de convívio. Como regra, as
brincadeiras só ocorriam na presença de um animal adulto por perto, o que
reforça a teoria que é necessário um ambiente seguro para a atividade ocorrer.
Em grande parte, as brincadeiras locomotoras eram realizadas pelos indivíduos
imaturos do grupo, enquanto os adultos se restringiam a participar mais das
brincadeiras sociais.
Desta
forma, pode-se especular com base nesse estudo sobre uma das questões que
divide os cientistas que trabalham nesse campo atualmente: qual a verdadeira
função da brincadeira para os animais e quais benefícios essa atividade
proporciona? Alguns estudiosos defendem que a brincadeira traz benefícios a
curto prazo, quando os animais
(principalmente os filhotes) aprendem até onde vão suas capacidades motoras e a
versatilidade de seus movimentos. Em contraponto, outros teorizam que os
benefícios são refletidos ao longo do tempo, em
que, por meio de brincadeiras, os
filhotes espelham e aprendem outros comportamentos (como o da caça, por
exemplo) e os adultos apreendem a lidar com o inesperado e a reagir a
diferentes tipos de situações.
Seja
qual for a corrente defendida, todos aqueles que estudam este assunto partilham
de um mesmo princípio: o brincar é uma atividade benéfica para o animal. Ainda
que sejam atividades que aparentemente não possuem uma função definida, não se
pode negar sua importância para o animal, seja para que ele desenvolva sua
capacidade física ou até mesmo interaja com seus pares e desenvolva laços de
convivência. Pensando dessa maneira, será que a brincadeira dessa forma também
não se aplica a nós, humanos? Afinal, ainda que muitas das vezes esqueçamos tal
fato, somos também uma espécie animal que se desenvolve e que partilha o mesmo
ambiente. Seria então a brincadeira uma forma de nossas crianças desenvolverem
e testarem seus limites físicos ou uma atividade na qual aprendemos a conviver
com nossos semelhantes? Ou ambos os casos?
Achou
interessante? Seguem em anexo as
reportagens e artigos que compõem parte da
pesquisa realizada sobre animais e brincadeiras. Comente, partilhe, opine! Venha
brincar com a gente!
Referências:
- GOLDMAN, Jason G. Why do animals like play? BBC- Future. Disponível em: http://www.bbc.com/future/story/20130109-why-do-animals-like-to-play . Acessado em 29 de Outubro de 2010.
http://www.bbc.com/future/story/20130109-why-do-animals-like-to-play