terça-feira, 21 de outubro de 2014

Mancala

 
 
  Já ouviu falar sobre a Mancala?
  Mancala é um grupo de jogos de tabuleiro originado na África, onde seus principais fundamentos são a semeadura e a colheita, bases das sociedades ancestrais daquele continente. Não se sabe ao certo qual desses povos criou a primeira versão do Mancala, pois há indícios destes na antiga cidade Axum na Etiópia e na civilização Egípcia pré-faraônica. As evidências que tratam os jogos de semeadura como os mais antigos jogos da Humanidade estão presentes no templo de Karnak e em pinturas no vale do rio Nilo.

Fonte:
http://goldfeather-arvy.blogspot.com.br/
  A semeadura e a colheita representam a força da agricultura no continente africano, desafiada pelo clima da região. Devido as grandes áreas desérticas, as civilizações e culturas ali presentes optavam a se estabelecer próximo aos grandes rios (como o próprio Nilo e o Niger, mais ao sul) que possuem ciclos de estiagens e cheias. Quando o rio baixava, as terras antes ocupadas pelas águas passavam de estéreis a férteis, possibilitando o plantio. O Mancala  representa o recomeço, a partilha, a prosperidade.
  A partida deve ser feita em dois jogadores, cada um dispondo de um dos lados do tabuleiro com uma série de cavidades. Ambos recebem um número idêntico de sementes antes de começar a partida, que é dividida em duas fases: semeadura e colheita. Durante a primeira fase, cada jogador distribui igualmente suas sementes em cada cavidade, sem que sobre nenhuma em sua mão. O jogo começa quando um dos participantes “colhe” todas as sementes de uma de suas cavidades, distribuindo em seguida apenas uma semente de cada vez em qualquer lugar do tabuleiro. O adversário imita o processo em seguida.
  A segunda fase é o momento que os jogadores podem “colher” as próprias sementes e as do adversário. A colheita só pode acontecer quando a semente for colocada em uma cavidade que já tenha duas ou três peças, assim o jogador recolhe todas para si. Quando capturadas, as sementes são removidas do tabuleiro e armazenadas. Caso depois da captura, o jogador tiver cavidades que também possuam duas ou três peças, estas também podem ser “colhidas”. O jogo termina quando um dos jogadores consegue armazenar vinte e cinco sementes. Em alguns casos, os jogadores acabam entrando em um processo de semeadura sem fim, onde nenhum dos dois consegue executar a colheita. Quando isto acontece, o jogo é interrompido e os jogadores podem recolher as sementes que estão nos próprios territórios. Ai ganha quem tiver mais sementes armazenadas.
Fonte: http://www.africouleur.com/en/awale-games/123-awale-turtle-game.html
  Devido aos diversos movimentos migratórios que diversas culturas passaram em milhares de anos, os jogos acabaram recebendo pequenas modificações, como o formato do tabuleiro ou o próprio nome. No Quênia, onde os antigos estavam ligados as atividades de pastoreio, as sementes  foram substituídas pelo gado e o armazenamento pelo encarceramento de animais. Os tabuleiros diferiam devido ao formato, material e até número de cavidades, refletindo o status social da dupla de jogadores. Poderia se encontrar deste um belo tabuleiro artesanal feito em madeira nobre com formato de animais até simples buracos cavados no chão. Ainda que fosse jogado pelas mais diversas classes e etnias diferentes, alguns conceitos básicos sempre eram mantidos: a lógica, o raciocínio e a habilidade de analisar o jogo com paciência. Nenhuma partida de Mancala pode ser vencida pela simples sorte.
  Outro fator que une os jogos de semeadura são as exigências que fazem ao participante, dentre elas a de não colher as sementes do adversário caso isto o prive de continuar jogando. Se o tabuleiro se refletia no ciclo de colheita, também se refletia na forma como os ancestrais encaravam a própria vida em si: o oponente não é um inimigo que deve ser derrotado e levado a morte, afinal o próprio jogo deixa em aberto situações onde o jogador pode semear as terras que não são suas. Trata-se de partilha, do sentimento de comunhão, de entender que a dádiva das terras férteis, tão escassas em terras de vastos desertos, é um presente para todos.
  Gostou de conhecer um pouco mais sobre os jogos de Mancala? Então venha visitar a nossa Exposição “Eu brinco, Tu brincas, Nós brincamos”! Teremos nela um exemplar do Awalé, forma como a Mancala é conhecida na Costa do Marfim, para você conhecer de perto esse jogo. E caso você queira ler mais um pouco, segue abaixo algumas referências sobre esse tipo de brinquedo africano.


Vem brincar e partilhar com a gente!







Referências:

-SILVA, Elizabeth de Jesus da; SILVA, Maria Cecília de Paula.Aprendizagem da História da África a partir dos jogos. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História - ANPUH. São Paulo, 2011. Disponível em:http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300913646_ARQUIVO_BethAnpuh20011.pdf. Acessado em: 20/10/2014


-Britsh Museum. Mancala – British Museum.  Disponível em: https://www.britishmuseum.org/docs/dmancala.doc . Acessado em: 19/10/2014.





sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Os animais também brincam?


   Qualquer pessoa provavelmente já deve ter presenciado algum animal brincando, sobretudo no contexto doméstico. São inúmeros os casos de interação com seus donos e com os membros da própria espécie, o que faz com que a pergunta sobre se os animais brincam seja facilmente respondida. Entretanto, para aqueles que pretendem caminhar alguns passos mais além nessa questão, percebe-se que o assunto vai aumentando de complexidade. Se sabemos que sim, então qual será o por quê?
     Por quê os animais brincam?
     Nas últimas décadas, cientistas e pesquisadores passaram a tentar encontrar uma resposta para esta pergunta que parece tão simples. A resposta, no entanto, tem se mostrado um tanto mais complexa, começando com a definição do que seria o brincar para os animais e os benefícios desse tipo de atividade.
    Em colaboração ao artigo The Recess para a revista eletrônica The Scientist, Gordon Burghardt desenvolveu certas condições para que o comportamento do animal possa ser considerado uma brincadeira.  O pesquisador do Departamento de Psicologia da University of Tennessee [Universidade do Tennessee] (Knoxville, EUA) desenvolveu esse critério principalmente por perceber a dificuldade dos outros cientistas em identificar comportamentos ligados ao brincar em animais de diferentes espécies. Sabemos de longe, por exemplo, quando um cão está se divertindo com uma bolinha de borracha, enquanto nos causa estranhamento ver tal situação com uma tartaruga.
   Dentre os cinco critérios, a primeira condição de Burghardt é que o comportamento apresentado pelo animal não é completamente funcional, já que ele imita outros comportamentos quando está brincando e não os executa completamente.  Assim, quando observamos um filhote canino correndo atrás de um brinquedo surrado, podemos identificar uma linguagem corporal semelhante à de um adulto ou até mesmo de um lobo caçando uma presa. Entretanto, o filhote não tem a intenção de capturar e ingerir o brinquedo, se contentando em apenas capturá-lo e soltá-lo. Outras condições apresentadas pelo pesquisador é que o comportamento deve ser espontâneo e repetitivo, de proporções exageradas e que só ocorre quando os animais estão saudáveis e bem alimentados, livres de qualquer tipo de quadro de estresse.
Fonte: Acervo Pessoal
    Entre os mamíferos, é mais fácil identificar comportamentos ligados ao brincar. Primeiro devido às semelhanças evolutivas com a espécie humana, segundo pelos fatores biológicos e ambientais em que estas espécies se desenvolvem. Diferente de répteis, aves e outros animais, os mamíferos passam uma boa parte do seu desenvolvimento infantil resguardado pelo cuidado paternal ou pelo grupo em que está inserido, o que permite que o filhote usufrua um tempo maior de tranquilidade sem se preocupar em procurar alimento ou fugir de predadores. Como citado anteriormente, configuram-se mais facilmente as condições ideais de Burghardt nesses casos. o que permite que os cientistas, ao identificarem esse tipo de situação ideal, realizassem estudos de caso.

  No início dos anos 2000, três pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte observaram e analisaram durante 41 dias o comportamento de botos cinzas que estavam de passagem pela Praia do Pipa (localidade próxima a Tibau do Sul, a oitenta quilômetros da capital, Natal). Luísa Helena Pinheiro Spinelli, Lídio Franço do Nascimento e Maria Emília Yamamoto totalizaram duzentas e quarenta e seis horas de observação, analisando comportamentos relacionados a brincadeiras em dezenove dos quarenta e um dias observados. Como critério para o estudo, os grupos de botos considerados deveriam ter em sua formação pelo menos um animal tido como imaturo (de até ¾ de tamanho de um indivíduo adulto). A escolha do boto cinzento como espécime alvo para o estudo de caso se dá por ele ser um cetáceo(ordem de animais marinhos do qual os golfinhos também fazem parte), mamíferos que possuem alto grau de encefalização, com intelecto que lhe permite uma vida social complexa.
Fonte: Instituto Ciência Hoje - Uol. Foto: Lis Bittencourt
  Durante esse período, o grupo realizou uma série de brincadeiras recorrentes classificadas pelos pesquisadores em dois grupos distintos: brincadeiras locomotoras e brincadeiras sociais. A primeira classificação abrangia brincadeiras que envolviam movimento e capacidade motora, enquanto a segunda se concentrava em atividades de interação entre indivíduos do mesmo grupo de convívio. Como regra, as brincadeiras só ocorriam na presença de um animal adulto por perto, o que reforça a teoria que é necessário um ambiente seguro para a atividade ocorrer. Em grande parte, as brincadeiras locomotoras eram realizadas pelos indivíduos imaturos do grupo, enquanto os adultos se restringiam a participar mais das brincadeiras sociais.
  Desta forma, pode-se especular com base nesse estudo sobre uma das questões que divide os cientistas que trabalham nesse campo atualmente: qual a verdadeira função da brincadeira para os animais e quais benefícios essa atividade proporciona? Alguns estudiosos defendem que a brincadeira traz benefícios a curto prazo, quando os animais (principalmente os filhotes) aprendem até onde vão suas capacidades motoras e a versatilidade de seus movimentos. Em contraponto, outros teorizam que os benefícios são refletidos ao longo do tempo, em que, por meio de brincadeiras, os filhotes espelham e aprendem outros comportamentos (como o da caça, por exemplo) e os adultos apreendem a lidar com o inesperado e a reagir a diferentes tipos de situações.
    Seja qual for a corrente defendida, todos aqueles que estudam este assunto partilham de um mesmo princípio: o brincar é uma atividade benéfica para o animal. Ainda que sejam atividades que aparentemente não possuem uma função definida, não se pode negar sua importância para o animal, seja para que ele desenvolva sua capacidade física ou até mesmo interaja com seus pares e desenvolva laços de convivência. Pensando dessa maneira, será que a brincadeira dessa forma também não se aplica a nós, humanos? Afinal, ainda que muitas das vezes esqueçamos tal fato, somos também uma espécie animal que se desenvolve e que partilha o mesmo ambiente. Seria então a brincadeira uma forma de nossas crianças desenvolverem e testarem seus limites físicos ou uma atividade na qual aprendemos a conviver com nossos semelhantes? Ou ambos os casos?
    Achou interessante? Seguem em anexo as reportagens e artigos que compõem parte da pesquisa realizada sobre animais e brincadeiras. Comente, partilhe, opine! Venha brincar com a gente!

Referências:
 
- AKST,  Jef. Recess. The Scientist Magazine. Disponível em: http://www.the-scientist.com/?articles.view/articleNo/29266/title/Recess/.  Acessado em  29 de Outubro de 2010.

 - GOLDMAN, Jason G. Why do animals like play? BBC- Future. Disponível em: http://www.bbc.com/future/story/20130109-why-do-animals-like-to-play . Acessado em 29 de Outubro de 2010.

http://www.bbc.com/future/story/20130109-why-do-animals-like-to-play
- SHARPE, Lynda.  So you think you know why animals play…. Scientific American. Disponível em:  http://blogs.scientificamerican.com/guest-blog/2011/05/17/so-you-think-you-know-why-animals-play/ .Acessado em 29 de Outubro de 2010.

-SPINELLI, Luísa Helena Pinheiro; NASCIMENTO, Lídio França do; YAMAMOTO, Maria Emília. Identificação e descrição da brincadeira em uma espécie pouco estudada, o boto cinza (Sotalia fluvitalis). Estudos de Psicologia. Universidade do Rio Grande do Norte. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-294X2002000100017&script=sci_arttext. Acessado em: 29 de Outubro de 2010.